sexta-feira, julho 23, 2004

carta a uma excelência

Como Portugal continua a ser um pais em que a politica cultural está entregue a meia dúzia de pessoas de espirito pedante e retrógrado, eu vou a seguir transcrever aqui uma carta de Camilo Castelo Branco ao Sr. Dr. conselheiro Adrião Pereira Forjaz de Sampaio, que á altura em que esta foi escrita era director na universidade de Coimbra; Passados 140 anos os nossos escritores, poetas, e outros criadores, ainda têm que enfrentar os
Doutores Adriôes deste pais.

                                       "exmo. sr. Doutor conselheiro
                                        Adrião Pereira F. de Sampaio

    Há coisa de seis dias que eu pernoitei na estalagem do lopes, em Coimbra...neste ponto, sacode V. Excia. os oculos na base do seu nariz sempre apontado á inspiração e diz: "a mim que me importa que este homem pernoitasse na estalagem do Lopes ou na do Carolo?!"
    Não importa nada, mas eu obedeço á costumeira de começar as histórias pelo principio.
    Estava eu , pois, lendo, no instituto, um artigo sobre um funeral, consagrado á memória do Sr. D. Pedro V, artigo coxo de gramática, o qual me disseram ser de V. Excia.  Não duvidei da autoriidade, nem descri da sinceridade da sua dor: coisa é ordinária, as grandes dores, reveladas pelos grandes gênios, fazerem á gramática o que um inferno em delirio faz à sua cobertura: esfarrapam-na. Fêz V. Excia. o elogio do seu coração com alguns erros que tornariam duvidosa a aprovação dum examinado em primeiras letras.  felix culpa!
    Estava eu, pois lendo o instituto, manancial da morfina, cujo veio mais copioso é V. Excia, quando me foi entregue um ofício, com um diploma de SÓCIO HONORÁRIO DO INSTITUTO DE COIMBRA.
    Li o latim do papel em estremeções de júbilo! A glória, o que faz a glória nos nervos de gente sensível, Exmo. Sr.!
    Na orla do diploma, buscando eu nomes, que entalhar no coração reconhecido, achei o de V. Excia., e ...beijei-o! Já é!...Beijei-o, em toda a sua latitude, desde o Adrianus até ao Proesens! E esetava esculpindo na minha alma o nome querido de Adrião, quando um amigo, presente aos meus transportes, pede a palavra, e tira do peito estas vozes memorandas:
    'Você foi proposto, há meses, sócio honorário do instituto; quando, porém, a proposta havia de ser votada, o Sr. Conselheiro Adrião disse que era indignidade dar diploma de sócio do instituto a um homem, que estava preso (caso Ana Plácido-N. do A.) ; acrescentou, todavia, que provada a sua inocência, então se lhe daria o diploma. Saiu você da prisão, e foi votada a proposta. Apareceram na sua votação vinte favas brancas, e cinco pretas; e destas a primeira, a mais preta, lançou-lha o Doutor Adrião. Sem embargo,
está você sócio honorário do instituto. Vinte votos o vingaram da vilania de cinco. Era necessário remeter-lhe o com um ofício. Fez o secretário o ofício, e deu-lhe o tratamento de excelência que o instituto dá a toda a gente. Foi o oficio á assinatura do presidente, e este rasgando o oficio em dois, escreveu á margem de um: Não tem excelência nem senhoria o sócio. Fez-se nôvo oficio, amputada a Excelência, e ele aqui está com a assinatura do presidente. Disse'
    Esta história boliu comigo,  Sr. Doutor conselheiro! A minha tola vaidade, que se ia marinhando ao alto das mentirosas gloríolas deste mundo, desandou, e veio ao raso da lama, onde V. Excia. sujou a fava, que me atirou aos calcanhares.
    Que mal tinha feito eu a V. Excia., que eu escarssamente conhecia de uma parvoiçada de maravalhas económicas postas em compêndio docente na universidade de Coimbra?!-(N. do A. -publicações do Dr. Adrião-estatistica e elementos de economia politica- lente  dessa disciplina) - Haverá nalgum dos meus romances um personagem grotesco, chamado Adrião?!  Terei eu apanhado sem querer, o Sr. Doutor em algum ridiculo da sua individualidade? Contaria eu, em estilo facêto, a corrida da pedra, ou de pugilato, que vários estudantes lhe deram no jardim botânico?! Não, palavra que não! Nem falei dos compêndios, nem nas pedradas, nem no pugilato, nem em V. Excia. que me lembre, sr. Adrião!
    Quedei-me a pensar uma noite, sempre com a fava negra de V. Excia. a pesar-me primeiro no coração, depois no diafragma, depois nos intestinos subjacentes por sua ordem descendente, até que a digestão da afronta se consumou. Desentalei-me. Agora posso plácidamente dizer a V. Excia. que respeito a sua mágoa de me ver sócio do instituto contra a sua vontade. Os pesares, ainda que mesmo injustos, do meu semelhante, imponho-me a remediá-lo, dado ainda qeu neste esforço de caridade disponha muito da minha vaidade e filáucia. Ai está a razão por que eu devolvo a V. Excia. o diploma que recebi de sócio do instituto conimbricense. não quero isto, á custa do desgosto de V. Excia.  Aí renuncio em suas mãos este papelucho querido, que V. Excia. que dará ao seu menino mais novo para ele fazer um bote ou um chapéu de dois bicos.
    Agora, palavra e meia no que toca á excelência que o Sr. Dr. me borrou. Eunão sei quem V. Excia. é , nem quem foi seu quarto avô. Quer-me parecer, porêm, que se as raças, no limiar dos séculos se afinam e espiritualizam, o quarto avô de V.Excia. devia de ser um enxovedo prodigioso, atendendo ao muito que os séculos tiveram que desbastar até ao seu quarto neto, de V. Excia.
    Não curo disso: o que eu hei é de esmiuçar-lhe a fidalguia da sua inteligência numas alcofas de farrapagens que por ai bóiam à tona do escoadouro das toleimas impressas. Aì é que eu hei de provar, queredo Deus, que V. Excia. não poderia ser sócio de coisa nenhuma literária; e V. Excia. em despique, veja se me dá cabo da senhoria
    A meu ver, V. Excia. não é escorreito; razão de mais para que eu me ufane em assinar-me de V. Excia. ex. sóciio do instituto."

    FAZ FALTA OUTRO CAMILO



4 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Não conhecia esta carta do Camilo. Tens razão quando dizes que seria perfeitamente actual (fez-me lembrar das desculpas do Durão ao Saramago).

Relativamente aos teu comentário no meu blog, já percebi o teu ponto de vista e claro que concordo, porque quando falei na quantidade era partindo do pressuposto que todos percebiam o que estavam a ler. Obrigado pela explicação.

ps: gosto de tratar e ser tratado por "tu" na troca de opiniões nos blogs, apesar de sentir alguma dificuldade, na vida real, desse tratamento com pessoas mais velhas do que eu. Mas, como neste ambiente a idade é uma coisa secundária e até indeterminada, desde que ambos estejam de acordo acho preferível. O que achas?

Abraço e bfs.

Artur disse...

nilson- obrigado pela visita e claro que "tu" és bem vindo

Anónimo disse...

eu xó gosto de caramilos. xabes o que é um caramilo???

Anónimo disse...

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